Invulgar & Garbo
segunda-feira, 29 de julho de 2024
Poema 235
sexta-feira, 24 de maio de 2024
Diário de desmame II - pequenas grandes coisas
domingo, 17 de março de 2024
Amor
Tenho uma mania resistente de recordar as coisas boas e deixá-las silenciar as terríveis. Me agarro intensamente em lembranças reprisadas, em falas esquecidas e toques perdidos. Não tive afeto na infância e isso me afeta.
No começo, quando relações começaram a ser parte da minha vida, não sabia o que significava a maioria dos sentimentos. Fui vítima do 'se não sei o que é, qualquer coisa pode ser' e me enfiei em trocentos buracos negros com quem não se importava comigo de verdade. Passei por uma criação onde a violência era fundamental e acabei engolida por uma pessoa manipuladora. Depois da primeira vez que aceitei um pedido de casamento, aos dezesseis, desejava todos os dias que minha parceira morresse e eu pudesse continuar a vida sem remorso. Me impressiono até hoje quando penso em como consegui pôr um fim naquele pesadelo maquiado de paixão.
Quando cruzei um oceano e dois continentes para passar férias com outro companheiro, estava afundada em bagunça mental. A doença comia o meu cérebro, a dependência emocional era nítida, no entanto, a ilusão era maior e eu a alimentava sozinha. Naquele dia no cinema, eu sabia o desfecho e ainda levei bastante tempo para me distanciar da situação, me desapegar dos poucos momentos que eu destilava continuamente a fim de obter algo palpável daquela relação.
Meu coração foi partido muitas vezes antes de encontrar alguém que me ensinasse o que era amor, realmente. E também por essa mesma pessoa, o que me deixa com um sabor agridoce quando relembro esse capítulo.
É difícil explicar a lacuna que existe numa pessoa que não teve referência desse elemento tão básico da vida humana porque elucidar algo que você desconhece é uma dúzia de tiros no escuro. É como se todo o amor do mundo nunca fosse me preencher porque o vácuo não é dimensionável. Como se eu tivesse sido criada por lobos e tive de fazer um trabalho imenso de ressocialização para conseguir existir. À essa altura, depois de tantas pessoas, monólogos internos e noites chorando sozinha, tenho uma boa noção do que é o amor. Uma coleção de coisas que costumo dizer que 'aquecem o coração' ou 'alimentam a alma'.
Ele não inclui violência e insegurança, como meus pais mostraram. Ou quebra de promessas e desconsideração, que vários parceiros ofereciam em troca de momentos. Descobri também que a verdade é o mais importante, eu que me deixo levar por qualquer cenário ilusório que possa resolver meus problemas enquanto tento remendar os rasgos óbvios em um relacionamento.
Nos dias em que estou saudosista e emocionada, consumindo os vestígios de conexões já terminadas, tento evocar um lado racional e me afastar das ideias que existem na minha cabeça e no passado; da concepção que guardo de lembrança do que foi, e é cansativo, pois tudo que eu quero é me agarrar em algo bom que nunca tive e viver naquilo confortavelmente, sem ter que pensar nos inúmeros motivos pelos quais aquilo não existe mais. Consigo me colocar mentalmente em qualquer lugar que já estive e ter que suprir boas recordações com os momentos que me fizeram estar tão longe delas é um exercício torturante, tentar aplicar pensamento lógico em um sentimento enquanto ele borbulha.
Não é como se eu nunca mais fosse amar ou ser amada, isso nem faz sentido. É a dor de olhar para algo tão significativo e sensível e ter de ser meu próprio órgão de censura para não viver sonhando com circunstâncias já inalcançáveis. Uma angústia de deixar apagar o cuidado que demorei tanto para conseguir e que foi embora tão de repente como chegou. O carrasco e a vítima, no mesmo lugar.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Poema 234
sexta-feira, 22 de dezembro de 2023
Diário de desmame I - pequenas grandes coisas
Sou uma pessoa capaz de falar sobre 5 assuntos diferentes enquanto realizo uma tarefa mas a diminuição do lítio tem adicionado à isso uma dúzia de emoções.
domingo, 12 de novembro de 2023
Poema 233
Os momentos de mente vazia
Onde esqueço qualquer preocupação
Quando nem dói estar sozinha
---
Deu trabalho chegar aqui
Às vezes de noite me perco em memórias
Parece uma tarefa sem fim
Essa de reescrever a própria história
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Não pretendo incitar revoluções
Mas eu mesma passei por algumas
Apenas uma mulher com questões
Cada uma em camada mais profunda
segunda-feira, 14 de agosto de 2023
Poema 232
quarta-feira, 21 de junho de 2023
Poema 231
E tento o tempo todo
E intimidade nenhuma torna essa existência tolerável
---
Todos os dias deitar e acordar
Com a certeza de uma mão em minha cintura
E antes que a realidade te amorteça
O coração esquenta
domingo, 18 de junho de 2023
Poema 232
sábado, 13 de maio de 2023
Feliz dia das mães
A história de quando minha mãe me expulsou de casa
Sendo bem sincera nunca parei para escrever essa história, ela é uma memória viva e intensa na minha cabeça, uma que eu posso acessar a qualquer momento e me sentir novamente com nove anos de idade.
Essa é uma lembrança longa, detalhada e por muito tempo eu só fingia que não existia, porque foi o que minha família fez: varreu para debaixo do tapete e ninguém tocava no assunto. Tenho esse episódio completo muito nítido quando penso sobre mas incrivelmente as memórias de antes e depois são apenas manchas.
Não lembro por
exemplo que dia era mas lembro de abrir a porta de casa. Estava ansiosa porque
íamos jantar esfihas em formato de coração, item promocional de um restaurante.
Particularmente estava feliz de estar de volta – tinha passado dois anos na
minha avó – mesmo que já percebesse um afastamento da minha mãe.
A minha teoria
é que ela nunca gostou de olhar pra mim e ser lembrada do meu pai, não foi um
relacionamento positivo – se é que ela seja capaz disso.
Quando voltei
para casa, Paulo Henrique já estava instalado como figura paterna do meu irmão
e chefe de família.
Paulo Henrique
era o novo e antigo namorado da minha mãe. Eles tiveram um romance quando eram
adolescentes e ambos seguiram caminhos diferentes porém similares. Ele também
era divorciado e tinha um filho muito mimado.
Minha mãe o
tratava como se fosse a mais ilustre pessoa – era um executivo da Siemens e de
fato tinha muito mais dinheiro que ela. Ele me ensinou a jogar xadrez e quando
eu e minha irmã levávamos bronca ele não se pronunciava, era padrasto apenas do
meu irmão.
Não lembro de
muita coisa envolvendo ele mas quando já havia passado um ano desse
acontecimento, ele me levou para jantar e pediu perdão. Após isso, aos poucos,
a minha família foi percebendo o estelionatário e perverso homem que era.
Chegando em
casa aquele dia fui direto ao banheiro lavar as mãos para o jantar. Ao me virar
para sair – tinha deixado a porta entreaberta – não percebi que meu irmão
estava atrás de mim, tinha me seguido para fazer o mesmo. Tropecei nele que
tropeçou para trás e bateu a cabeça no trinco da porta.
Meu irmão é
cinco anos mais novo que eu, o que pode mostrar uma diferença de força, mas
isso nada mais foi que um acidente.
E em trinta
segundos minha vida mudou.
Meu irmão começou
a chorar, Paulo Henrique começou a gritar dizendo que eu fiz de propósito e
tentei matar meu irmão e minha mãe deixou de ser minha mãe.
Eu comecei a
esperar pelo castigo, pois praticamente todos os dias ela encontrava um motivo para
me bater então eu sabia que seria ruim. Sinto que respirei fundo um segundo e
só consegui respirar de novo quando tudo passou, ela não me deu nenhuma chance
de explicar.
Lembro de ser
puxada e jogada na parede. Dessa vez era diferente, ela não estava medindo a
força. Tentava dizer minha versão do que aconteceu, ela batia no meu rosto.
Tentava proteger meu rosto, ela socava meu corpo. Caí no chão e ela começou a
me chutar, o que me fez pensar que algum limite tinha sido extrapolado.
Não parece
muito certo uma mãe chutando o estômago da filha três vezes menor. Nunca
pareceu certo nas outras vezes em que ela me bateu mas entendo que havia um
contexto de educação, disciplina. O que estava acontecendo agora era diferente,
era pura fúria e eu era o alvo.
Até hoje não
sei se durou quatro ou quarenta minutos mas lembro da sensação de não conseguir
respirar porque depois que ela parou, eu não conseguia falar. Me encolhi num
canto no chão e fiquei ouvindo o Paulo Henrique no sofá – com meu irmão no colo
– dizendo que eu era horrível e queria destruir a família deles.
Eu na verdade
só queria comer esfihas de coração e nunca consegui.
Minha mãe ligou
para o meu pai e disse que ele tinha que me buscar imediatamente, que eu não
morava mais naquela casa. Ele queria entender, ela não queria explicar. Me
colocou no telefone e nenhuma palavra saía, eu só estava tentando recuperar o
ar.
Ela então
empacotou minhas coisas em sacos de lixo quase da minha altura e me deixou na
calçada junto com eles, fez questão de trancar o portão e esperar do lado de
dentro. Talvez esse tenha sido o momento em que percebi que não somente minha
mãe não gostava de mim, ela era capaz de me matar e não estava mais disposta a
ser minha mãe.
Quando meu pai
chegou, eu ainda não conseguia respirar. Não sei se era o choro, o trauma, os
chutes ou a asma, mas eu só consegui falar quando chegamos na casa da minha
avó. Expliquei o que aconteceu gaguejando e a partir daquele dia, eu moraria
com a minha vó novamente.
Já adolescente
ouvi rumores que nessa situação, Paulo Henrique fez minha mãe escolher entre eu
e ele, o que não me impressionaria pois ele é um ótimo manipulador.
Independentemente de ter sido uma ‘escolha de Sofia’ a minha opinião é que
quando algo é tão errado em tantos níveis, não há justificativa.
A qualquer momento
alguém poderia ter parado aquilo, os envolvidos, a vizinha da casa da frente
que me ouvia gritar, e todos escolheram não fazer isso. Minha família escolheu
tratar isso como somente mais um episódio da Janaina, essa mulher estourada de
forte personalidade, e na verdade não era nada disso.
Foi pura
violência e ostracismo de poder. Um desequilíbro emocional alarmante. Falta de
empatia completa, falta de paciência com filhos que não pediram para nascer. Um crime. Olho
pra minha mãe em qualquer fase da vida dela e só consigo ver caos, em vários
níveis. Hoje eu consigo ficar feliz de ter excluído essa pessoa da minha vida
mas ainda todos os dias sou lembrada da falta de figura materna. Ninguém me ensinou como lidar com menstruação ou paqueras, por exemplo.
Mas esse acontecimento minou todos os relacionamentos da minha vida até o momento em que consegui fazer isso e por muito tempo eu dizia às pessoas que minha mãe estava morta, porque doía menos que assumir que eu era indesejada pela pessoa que me colocou no mundo.
Ela nunca falou sobre isso, não pediu desculpas nem tocou no assunto. Ela inclusive disse que não se arrepende de nada que tenha feito, pois estava sempre pensando nos filhos, o que é uma das maiores mentiras que já ouvi.