sexta-feira, 24 de maio de 2024

Diário de desmame II - pequenas grandes coisas

02 janeiro
Preciso escrever mais porque as coisas acontecem e eu não sei como cheguei à tal lugar. Preciso ainda esvaziar minha cabeça e sair mais dela pois é muito fácil ficar sozinha com meus pensamentos.
Queria sair do campo das ideias e fazer mais coisas e escrever mil coisas sobre.

04 janeiro
Lembro de muitas vezes ir ao psiquiatra aterrorizada, sem noção do que esperar. De pedir ajuda e avisar alguém pois a consulta poderia ser um gatilho. 
Por muito tempo tive muito medo da minha cabeça e hoje parece um passado muito distante. 
Sinto minha cabeça em outro lugar e o fundo do poço finalmente parece longe.

02 fevereiro
Estou muito pobre mas nem tão desesperada. Queria fazer muita coisa e espero que logo consiga, cansada de estar no mesmo lugar.
Me sinto carente mas tenho feito bordados incríveis e fico feliz de outro jeito.

07 março
Finalmente as águas de março para fechar o verão.
Hoje é quinta e essa é a primeira semana sem nenhum remédio em dez anos.
Tenho tontura e algumas emoções rapidamente arrebatadoras. Ainda bem que me questiono muito mais pois também acho que posso estar mais impulsiva.
Ainda quero muitas coisas sem conseguir meios de realizá-las mas seguindo em frente, sem saber onde a estrada vai dar. 
Tentando trabalhar essa 'auto suficiência' mas queria ser amada e cuidada.

23 março
Gosto muito quando chove, parece que o mundo tomou banho. Gosto muito de tomar banho também.
É estranho sentir emoções de um jeito diferente, parece que estou o tempo todo aprendendo, como Bella Baxter.
O tempo inclusive parece passar diferente. Ou talvez eu esteja mais disposta a me concentrar nele. Curiosa ou ansiosa?

24 março
Estou tendo grandes reações ao contar às pessoas que agora não sou mais medicada, acho engraçado. Como se fosse impossível ou eu tivesse feito mágica para chegar nisso.
Parece inacreditável que eu conseguiria mas ao mesmo tempo penso que o caminho que tomei (uma década atrás) levaria à essa situação, eventualmente.
Apesar de estar triunfando em saúde mental, sofro financeiramente, como sempre.
Acho que chegou a hora de escrever aquele livro.

04 abril
Ontem tive uma cólica terrível, fumei 2 becks e tomei 3 remédios. Meu útero sugou toda minha energia.
Quando tenho crises de dor, sinto falta de cuidado e lembro de um ex namorado. Lembro de quando estava deprimida demais e ele me dava banhos, um ato primário de cuidado. Queria não ser a pessoa que sente a dor e banca os remédios uma vez de novo, faz muito tempo.
Me sinto sozinha e sei que desejar as coisas do passado é errado, mas não consigo evitar. 
Queria tanta coisa mais que isso e não consigo avançar. 
Não sei bem ainda qual lugar quero estar mas penso que seja longe daqui. Sinto que o que sou não serve aqui e queria tentar em outro cenário.
Queria crescer em outros aspectos além do tratamento. Às vezes penso muito que o que me falta é uma chance e não sei mais onde procurar uma.
Ainda sinto que há um buraco em mim mas tenho tomado cuidado para não enfiar qualquer coisa nele, afinal é assim que me ferrei tanto.
Só queria encher-me de coisas boas.

13 abril
Ontem foi aniversário da Bea e comemos bolo e tomamos vinho. Por mais coisas ruins que surgirem, eu inventarei algo bom para compensar.
Tem sido tempos difíceis e acho que não podemos perder a chance de celebrar. 
Hoje celebro no karaokê, com um cosmopolitan e vou para casa antes da meia noite.

21 abril
Ontem passei o dia dopada e emaconhada em guerra com meu útero, uma dor que não cessava. Assisti Soul e comi pipoca enquanto deitava com muitas almofadas.
Fui dormir tristinha e carente mas é normal em dias de dor. Me sinto sozinha e queria cuidado.
Queria um trabalho para 'acumular riqueza' e conseguir fazer mais coisas interessantes, passeios, cursos, sair de casa finalmente. Sinto que seria ótimo crescer sozinha, ter mais liberdade e não ter que me esconder em quartos.

19 maio
Voltando de uma festa onde trabalhei mais de 12 horas e no metrô de manhã uma gay louca acendeu um cigarro.
Meu aniversário está chegando, meu ex mandou mensagem, me matriculei na academia e em um curso novo. Nada está ideal ou do jeito que eu gostaria mas ao menos parece progresso.
Queria ir ao museu e comer uma sobremesa para me sentir viva.

23 maio
Hoje tive o primeiro dia de curso e tive que passar na rua do meu ex. Na ida fui correndo e nem reparei mas o mercado em frente ao prédio dele foi demolido e será um novo prédio de apartamentos.
Achei poético. Foi um lembrete feliz de que coisas tem sua data de expiração e afinal elas mudam, como eu.
Na análise dessa semana estava pilhada por ter a chance de esbarrá-lo na rua e sonhei com ele. Eu ligava, ele não podia falar comigo. Eu seguia.
Antes, não ser atendida me levava mais longe na crise, desesperada e desamparada. Era demais para mim, lembro de ter brigas terríveis por meu namorado - muitas vezes em outro fuso horário - não me ouvir ligar de madrugada ou no meio do dia.
Esses dias na análise também cheguei à conclusão que os 28 talvez foi o ano que passei mais sozinha. Tive que trabalhar demais para deixar de tomar os remédios e finalmente me sinto melhor. 
Estou construindo coisas além de mim mesma.

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