A história de quando minha mãe me expulsou de casa
Sendo bem sincera nunca parei para escrever essa história, ela é uma memória viva e intensa na minha cabeça, uma que eu posso acessar a qualquer momento e me sentir novamente com nove anos de idade.
Essa é uma lembrança longa, detalhada e por muito tempo eu só fingia que não existia, porque foi o que minha família fez: varreu para debaixo do tapete e ninguém tocava no assunto. Tenho esse episódio completo muito nítido quando penso sobre mas incrivelmente as memórias de antes e depois são apenas manchas.
Não lembro por
exemplo que dia era mas lembro de abrir a porta de casa. Estava ansiosa porque
íamos jantar esfihas em formato de coração, item promocional de um restaurante.
Particularmente estava feliz de estar de volta – tinha passado dois anos na
minha avó – mesmo que já percebesse um afastamento da minha mãe.
A minha teoria
é que ela nunca gostou de olhar pra mim e ser lembrada do meu pai, não foi um
relacionamento positivo – se é que ela seja capaz disso.
Quando voltei
para casa, Paulo Henrique já estava instalado como figura paterna do meu irmão
e chefe de família.
Paulo Henrique
era o novo e antigo namorado da minha mãe. Eles tiveram um romance quando eram
adolescentes e ambos seguiram caminhos diferentes porém similares. Ele também
era divorciado e tinha um filho muito mimado.
Minha mãe o
tratava como se fosse a mais ilustre pessoa – era um executivo da Siemens e de
fato tinha muito mais dinheiro que ela. Ele me ensinou a jogar xadrez e quando
eu e minha irmã levávamos bronca ele não se pronunciava, era padrasto apenas do
meu irmão.
Não lembro de
muita coisa envolvendo ele mas quando já havia passado um ano desse
acontecimento, ele me levou para jantar e pediu perdão. Após isso, aos poucos,
a minha família foi percebendo o estelionatário e perverso homem que era.
Chegando em
casa aquele dia fui direto ao banheiro lavar as mãos para o jantar. Ao me virar
para sair – tinha deixado a porta entreaberta – não percebi que meu irmão
estava atrás de mim, tinha me seguido para fazer o mesmo. Tropecei nele que
tropeçou para trás e bateu a cabeça no trinco da porta.
Meu irmão é
cinco anos mais novo que eu, o que pode mostrar uma diferença de força, mas
isso nada mais foi que um acidente.
E em trinta
segundos minha vida mudou.
Meu irmão começou
a chorar, Paulo Henrique começou a gritar dizendo que eu fiz de propósito e
tentei matar meu irmão e minha mãe deixou de ser minha mãe.
Eu comecei a
esperar pelo castigo, pois praticamente todos os dias ela encontrava um motivo para
me bater então eu sabia que seria ruim. Sinto que respirei fundo um segundo e
só consegui respirar de novo quando tudo passou, ela não me deu nenhuma chance
de explicar.
Lembro de ser
puxada e jogada na parede. Dessa vez era diferente, ela não estava medindo a
força. Tentava dizer minha versão do que aconteceu, ela batia no meu rosto.
Tentava proteger meu rosto, ela socava meu corpo. Caí no chão e ela começou a
me chutar, o que me fez pensar que algum limite tinha sido extrapolado.
Não parece
muito certo uma mãe chutando o estômago da filha três vezes menor. Nunca
pareceu certo nas outras vezes em que ela me bateu mas entendo que havia um
contexto de educação, disciplina. O que estava acontecendo agora era diferente,
era pura fúria e eu era o alvo.
Até hoje não
sei se durou quatro ou quarenta minutos mas lembro da sensação de não conseguir
respirar porque depois que ela parou, eu não conseguia falar. Me encolhi num
canto no chão e fiquei ouvindo o Paulo Henrique no sofá – com meu irmão no colo
– dizendo que eu era horrível e queria destruir a família deles.
Eu na verdade
só queria comer esfihas de coração e nunca consegui.
Minha mãe ligou
para o meu pai e disse que ele tinha que me buscar imediatamente, que eu não
morava mais naquela casa. Ele queria entender, ela não queria explicar. Me
colocou no telefone e nenhuma palavra saía, eu só estava tentando recuperar o
ar.
Ela então
empacotou minhas coisas em sacos de lixo quase da minha altura e me deixou na
calçada junto com eles, fez questão de trancar o portão e esperar do lado de
dentro. Talvez esse tenha sido o momento em que percebi que não somente minha
mãe não gostava de mim, ela era capaz de me matar e não estava mais disposta a
ser minha mãe.
Quando meu pai
chegou, eu ainda não conseguia respirar. Não sei se era o choro, o trauma, os
chutes ou a asma, mas eu só consegui falar quando chegamos na casa da minha
avó. Expliquei o que aconteceu gaguejando e a partir daquele dia, eu moraria
com a minha vó novamente.
Já adolescente
ouvi rumores que nessa situação, Paulo Henrique fez minha mãe escolher entre eu
e ele, o que não me impressionaria pois ele é um ótimo manipulador.
Independentemente de ter sido uma ‘escolha de Sofia’ a minha opinião é que
quando algo é tão errado em tantos níveis, não há justificativa.
A qualquer momento
alguém poderia ter parado aquilo, os envolvidos, a vizinha da casa da frente
que me ouvia gritar, e todos escolheram não fazer isso. Minha família escolheu
tratar isso como somente mais um episódio da Janaina, essa mulher estourada de
forte personalidade, e na verdade não era nada disso.
Foi pura
violência e ostracismo de poder. Um desequilíbro emocional alarmante. Falta de
empatia completa, falta de paciência com filhos que não pediram para nascer. Um crime. Olho
pra minha mãe em qualquer fase da vida dela e só consigo ver caos, em vários
níveis. Hoje eu consigo ficar feliz de ter excluído essa pessoa da minha vida
mas ainda todos os dias sou lembrada da falta de figura materna. Ninguém me ensinou como lidar com menstruação ou paqueras, por exemplo.
Mas esse acontecimento minou todos os relacionamentos da minha vida até o momento em que consegui fazer isso e por muito tempo eu dizia às pessoas que minha mãe estava morta, porque doía menos que assumir que eu era indesejada pela pessoa que me colocou no mundo.
Ela nunca falou sobre isso, não pediu desculpas nem tocou no assunto. Ela inclusive disse que não se arrepende de nada que tenha feito, pois estava sempre pensando nos filhos, o que é uma das maiores mentiras que já ouvi.
Aí aí mocinha, acabo de ver que chegou no seus 28 e vim parar aqui, quando te conheci amei demais você, sentia que existia algo muito especial em você e junto muita dor também. E você ficou linda, eu desejo que você encontre a mulher incrível que é, que faça tratamento, se ame acima de qualquer coisa e que algum dia seja possível perdoar o que você passou, não por quem te trouxe a vida, mas por VOCÊ.
ResponderExcluirPor merecer ser feliz. Te guardo no meu coração e aquela estrelinha que você me deu na fogueira guardo até hoje. Linda vida pra você!🌹✨