Essa é uma série de cartas que nunca serão enviadas.
Podem ou não acabar parecendo provocativas mas o principal motivo de escrevê-las é tirar algumas certezas e angústias de dentro de mim pois já não me cabem mais. O depósito de amarguras dentro de mim está cheio e cada dia tem ficado menor então não vi motivo em armazenar lembranças ruins comigo enquanto tudo que faço e busco e quero pra mim é luz.
Vai fazer 10 anos desde a primeira vez que te conheci. Parece muito tempo né? Na minha cabeça esses anos passaram voando.
Eu lembro de tudo, essa é minha sina. Mas tudo ficou compactado e eu posso falar os aspectos gerais de cada ano se me perguntarem.
Você me deu um sentimento - veja bem, não era amor - que eu sentia que precisava. Eu te escrevi outras cartas, muito mais focada em te satisfazer do que desatar o nó no peito (que é basicamente o motivo pelo qual escrevia e continuo escrevendo). Hoje eu vejo que apesar de não ser o ideal, era o que eu sentia que precisava no momento. Eu gosto de seguir regras e você me deu muitas.
Eu lembro que você comparou todos os textos desse lugar quando te escrevi. Na primeira, na segunda, na terceira e em todas as outras vezes. A menos que eu fosse mínima, você não me queria. A menos que toda minha devoção fosse sua, eu era imprestável. A menos que eu passasse as únicas horas livres do meu dia discutindo com você por alguma invenção banal que você teve o dia todo pra bolar, eu não servia.
E olhe só, esse é meu espaço. Me respeita sabe? Eu criei isso, cada frase desabafo e sentimento que aqui está escrito, saiu de mim. Das minhas mãos, minha cabeça, meu coração. Esse é o único lugar que é meu e intocável ao mesmo tempo. Eu não gosto nem que as pessoas comentem aqui. Então eu deveria ter te colocado no teu lugar. Mas quantas outras vezes eu deveria ter feito isso e não conseguia, não é?
Eu lembro das brigas que tínhamos e dos motivos torpes. Lembro de cada vez que você me tocou, seja pra puxar meu braço, me jogar pelo outro canto do quarto com um chute ou arrombar a porta do banheiro enquanto eu tentava fugir de você lá dentro. Eu lembro de quando você fugiu de casa, todas as várias vezes. Quando você saiu de casa e me ligou depois de três dias, dizendo que estava voltando e tinha uma surpresa pra mim: um buquê de rosas na minha cama. Quando você me convenceu que se matar era a melhor solução e fez na minha frente e ainda me fez te levar no hospital depois. Que tipo de pessoa faz isso com alguém?
Era sempre assim né? Você surtava, gritava, xingava, me batia, me humilhava e depois de um dia ou dois, você voltava. Eu tento não julgar a pessoa que eu era há uma década porque eu cresci muito nesse meio tempo mas eu não consigo não julgar você.
Meu analista disse que eu devo parar de te chamar de psicopata. Pra mim é a mesma coisa que pararem de me chamar de ruiva: não precisa ser dito mas é explícito. Ele me disse pra te humanizar, tirar a visão de monstro que eu criei de você dentro de mim.
Seria possível? Eu não acredito que uma pessoa normal faça essas coisas. Ou que, depois de tanto tempo, continue sendo desprezível e instável e perigosa desse tanto. É de fato algo que eu não consigo digerir ou entender. Me falta empatia pra falar de você, porque você não demonstrou nenhuma por mim em mais de dois anos em que estivemos juntas.
E aparentemente você continua não sentindo, nem de fachada. Pra mim é inadmissível te encontrar na rua. Você não existe na mesma realidade que eu, você existe numa história conturbada de anos atrás e eu deixei de dizer teu nome e eu fiz todo mundo parar de me informar sobre você há muito tempo também.
Eu não acho que seja maldade da minha parte fingir que você morreu. Pelo menos eu posso me enganar com essa fantasia: um mundo onde você não existe mais enquanto eu tenho que conviver com as lembranças de cada episódio de um mundo em que nós existíamos juntas.
Pois bem, eu não sabia o intuito dessa carta antes de começar a escrevê-la e eu também não sei agora. Eu queria tirar essas coisas do meu sistema pois te rever depois de tanto tempo, num lugar que eu tanto gostava me desestabilizou. Talvez eu nem devesse escrever isso aqui, porque você (ou sua namorada que coincidentemente é uma cópia minha) ainda pode me sondar como antes.
É muito possível que eu ainda tenha que escrever sobre você mas nunca mais escreverei para você.
Tem poucas coisas que ainda me deixam puta nesse mundo e você é uma delas. Mas só hoje, e eu sei que vai passar. Só hoje porque eu parei para pensar sobre isso e me esforcei a lembrar de tudo pra vomitar aqui. Só hoje porque eu me permiti e eu até torço pra que você leia isso, pra saber que todo o poder que você tinha sobre mim ficou dissipado no ar e hoje eu sou minha e você continua escrava da(s) sua(s) doença(s) mental(ais).
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