Os remédios voltaram. A análise voltou. Eu não voltei.
Depois de seis meses eu senti que estava ficando louca. Fiz novos planos e procurei ajuda novamente, porque simplesmente é impossível viver com isso na cabeça.
O psiquiatra e o analista são novos. Os remédios são novos, as dosagens, a linha da terapia.
Durante o tempo sem tratamento eu ia piorando exponencialmente. Cada dia foi ficando pior até que uma enxaqueca de duas semanas me fez voltar à clínica. Nada mais funcionava, os analgésicos, os remédios diários, os intravenosos. Eu sabia que não era um problema do tipo um aneurisma: era só meu cérebro sendo devorado pela minha doença mental.
Os pensamentos de suicídio são muito efêmeros agora, os remédios agem desse jeito. Eu vejo uma notícia ruim e em dois segundos me distraio com um vídeo de filhotes. Eu me sinto mal mas logo passa e até dois dias atrás não conseguia chorar.
O analista disse que eu não me cuido e não permito que as pessoas cuidem de mim; que isso é inviável pois ninguém vive completamente sozinho no mundo. Eu fiquei chateada porque sei que é verdade.
Os encontros me amortecem por algumas horas. O sexo me adormece por uma noite. Conhecer pessoas novas e ter que explicar a minha vida só para justificar alguma coisa é sempre uma pontada a mais. E de manhã eu volto pra miséria que é ter que viver enquanto quero morrer.
Não deveria ser tão difícil. Com apoio, remédios, terapia, com cuidado de verdade. Mas a maior parte do tempo eu tenho que ser a pessoa que no final do dia está realmente sozinha e não tem a quem recorrer então eu não me vejo liberta disso tão cedo.
Supostamente eu não deveria estar aqui.Eu não fui descuidada, desesperada, eu não procurava atenção. Faz muito tempo que eu não me encaixo nesse mundo e eu não vejo sentido em continuar, então eu realmente só queria deixar de existir. Eu me sinto como uma fruta podre na árvore enquanto as outras amadurecem ou estão brilhanto em sua existência.
Ninguém fala sobre isso. É como um segredo sombrio, um acontecimento pontual que hoje não faz mais diferença. Depois disso eu deveria aprender a viver afinal, eu estive quase do outro lado. Eu devo dar graças à ter sobrevivido e ficar feliz com a segunda chance.
Mas não é assim, nem de longe. Eu não tenho objetivos e caso eu crie alguma expectativa, a maior parte da minha cabeça vai me convencer que aquilo é inútil. Eu não escrevo mais poemas pois o homem que eu amava mal fala comigo e abdicou da chance de "cuidar" de mim. Eu trabalho e trabalho e mesmo assim, nada faz sentido.
Como você se recupera de uma vida de uma pura bagunça? Eu entendo como as pessoas se recuperam de acidentes, de relacionamentos abusivos, da perda dos pais, de não ter família, de não ter ninguém. Mas tudo ao mesmo tempo além das outras coisas, como é possível?
A verdade é que eu não me assusto quando as pessoas se afastam. Elas tem motivo. Eu não me relacionaria com alguém como eu, em nenhum sentido.
Porém, se as pessoas se afastam quando encaram quem eu sou de verdade em toda sua angústia e sofrimento e inteligência, como o mundo imagina que eu esteja me sustentando? Talvez eles não pensem nisso.