Durante as minhas crises, eu evito qualquer contato com qualquer pessoa. Acontece que eu tive um término muito difícil esse ano, porque foi a primeira pessoa que presenciou minhas crises e com a qual eu me sentia segura e sempre procurava quando não conseguia me livrar desses pensamentos. Esse ano foi complicado porque parecia que eu estava namorando outra pessoa, principalmente depois que acabou: levou dois meses para ele conseguir me ligar. Eu tentei muito não entrar em contato com esses sentimentos, principalmente com esse recorrente abandono que acontece comigo quando eu tenho alguém, independente de quem seja.
Nesse domingo, eu reuni meu estoque de remédios. Cartelas de medicamentos trocados, todos psiquiátricos, medicamentos que eu estava tomando, que eu acabara de receber da psiquiatra pois tive uma consulta durante a semana. Eu lembro de estar muito decidida. De repente, eu não tinha mais medo e era a única coisa que me parecia certa. Eu enviei uma mensagem para esse ex e como sempre, ele não me respondeu. Antes desse ano, ele me atenderia em qualquer situação. Não foi um agravante e eu francamente não esperava uma resposta, foi só uma tentativa em vão.
Eu falei com uma amiga que tentou me acalmar. Eu dormi, eu esperava que de manhã eu tivesse outros pensamentos. Eu não parei de chorar porque eu me acalmei, mas o remédio que eu tomava de noite me derrubava e foi isso que aconteceu.
De manhã, eu não levantei para o trabalho. Nas segundas-feiras eu tenho terapia e eu até pensei em tomar os remédios e ir na terapia, mas fiquei com medo do que ela poderia fazer. Eu mandei uma mensagem para o meu ex com a senha do meu celular. Então perto do meio dia, eu levantei, juntei os meus remédios, tomei todos os antidepressivos mais leves. Eram uns 40 comprimidos, foi muito fácil. Eu tomei banho, me troquei e coloquei algo com o qual eu me sentia confortável, sequei meu cabelo. Arrumei minha bolsa: um livro pro tempo do efeito dos remédios, necessáire, carteira, um urso com o qual eu durmo, meus cigarros. Tomei os antipsicóticos mais fortes, 20 comprimidos, chamei um uber. Desci do prédio, fumei meio cigarro. O uber me deixou perto de um hospital que eu sempre vou. Sentei na calçada, fumei outro cigarro. Pensei em esperar dentro do hospital para que os remédios batessem porque eu não queria que isso acontecesse na rua - eu adiei para segunda-feira porque no domingo pensei que seria atacada na rua se estivesse nessa posição.
Quando eu levantei do chão, todos os remédios fizeram efeito. Eu mal conseguia ficar em pé, eu não enxergava e eu não tinha coordenação nem conseguia falar. Assim que eu entrei no hospital, me colocaram numa cadeira de rodas e me levaram pra enfermaria. A médica de plantão me perguntou o que aconteceu e eu entreguei à ela um saquinho com todas as cartelas que tinha tomado. Ela me perguntou porque, eu disse que queria morrer, e apaguei.
Depois disso eu só lembro de lapsos. Eu lembro que fui colocada numa sala, minha vó, irmã e tia estavam lá e eu não sabia como porque eu tinha retirado o telefone de contato delas do meu cadastro, eu não queria que elas fossem chamadas. Minha irmã tentou tirar o piercing do meu septo e eu não deixei, levei 5min para tirar sozinha porque minhas mãos não me obedeciam. Quando foram me transferir, estavam discutindo sobre quem iria comigo na ambulância, eu levantei e disse ninguém, e fui sozinha com um enfermeiro. Cada vez que eu acordava, me perguntavam quem eram e que dia era e isso me deixava muito brava porque eu não queria nenhuma delas ali.
Eu acordei quando estavam me colocando na UTI. Acordei quando foram colocar uma sonda em mim e chorei implorando para não fazerem isso por causa da dor. Acordei de noite, com a minha chefe segurando minha mão e chorando; eu pedi desculpa para ela. Ela me mostrou dois áudios, do meu primo e da filha dela, me desejando melhoras. Acordei com a enfermeira limpando minha boca várias vezes porque estava sangrando muito.
Não lembro se me deixaram em jejum na segunda ou terça. Eu estava sem meus óculos, não tinha noção do tempo, mal conseguia falar. Eu lembro de sentir muita sede, os enfermeiros eram sempre muito educados comigo. Tiraram minha sonda e a dor foi pior. Me levaram para tomar banho e eu estava cheia de adesivos para evitar que a minha pele se machucasse, nas coxas, costas, ombros. Eu dormi muito e perdi várias refeições. Eu não sentia a dor quando colocavam ou tiravam acessos dos meus braços, eu apenas olhava e apagava de novo. Tomei duas injeções de anticoagulantes na barriga, a primeira na terça-feira, não senti; a segunda, na quarta-feira, doeu muito e deixou uma marca pior.
Na quarta-feira eu consegui comer e ia ser transferida para um quarto. Pude lavar meu cabelo, tomar banho em pé, o soro era só soro. Eu ainda dormi muito, mas a minha consciência estava voltando. A psicóloga do hospital foi falar comigo e eu a odiei porque ela duvidou de tudo que eu disse. Fui para o quarto antes do jantar, por volta das 17h. Havia três dias que não pegava meu celular e quando o peguei, minha psicóloga foi me visitar. Eu honestamente não queria falar com ela. Ela me falou sobre falha de comunicação pelo que aconteceu, que ela se preocupava com o que eu fiz e que precisaríamos falar sobre isso.
Eu tentei falar com meu ex sobre o que houve e tive muita raiva, eu esperava ser acolhida e nunca me senti menos amada. Eu falei com algumas poucas pessoas que estavam me procurando, sem explicar muito. Pedi para dois amigos me visitarem.
Meu primo ficou comigo até o horário de visita acabar. Minha vó e minha tia também. Minha tia em deu uma joia por 'ter nascido de novo' e parece um pingente em forma de caixão. Minha irmã dormiu comigo nesse dia no hospital.
Eu não podia ficar sozinha, nunca. Eu era um perigo para mim mesma. O tempo todo, enfermeiras checavam minha pressão, batimentos, temperatura, soro. Minha irmã me disse que meu coração bateu 150 antes de ser transferida. O psiquiatra do hospital veio falar comigo e ele foi muito mais simpático que a psicóloga. Me perguntou o que eu estava lendo, o que eu senti, se eu pensava em internação psiquiátrica. Acontece que em maio eu fui parar em um pronto socorro psiquiátrico: eu queria morrer e estava com medo. Um amigo me levou e eu não podia simplesmente abandonar minha vida para ser internada, eu esperava que eles me dessem um calmante e me mandassem embora.
Eu disse à ele o que eu sentia antes e o que sentia no momento: eu tenho um TCC para terminar e eu não posso ser refém dessa coisa na minha cabeça. Eu tenho uma vida e eu tenho feito de tudo para cuidar disso. Eu tomei os remédios, gastei o que não tinha para pagar a terapia 2x por semana, perdi aulas pra poder ir em psiquiatra. Eu estava cansada e eu queria acabar com isso, ou no caso, deixar isso acabar comigo logo.
Na quinta-feira de manhã eu recebi alta. Só me liberaram depois do almoço, mas foi a primeira vez que eu pude fumar depois de segunda: esperando o uber. Mandei um e-mail para a psiquiatra pedindo um encaixe e explicando o que aconteceu. Marquei uma sessão de acupuntura. Minha chefe veio me visitar à noite, trouxe doces e coisas que eu gostava de comer. Todo mundo de repente se preocupava comigo e isso era um efeito que eu não queria e não esperava. Eu demorei muito para dormir, porque não tinha mais nenhum remédio para isso. Me recusei a tomar o ansiolítico.
Toda vez que vou pegar no sono, tenho pesadelos terríveis. Não consigo dormir mais que 4h seguidas. Não me arrependo do que fiz e não tenho mais vontade de voltar aos remédios ou à terapia.
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Isso foi escrito uma semana após o ocorrido. Sem edições e muita informação ainda não foi descrita.
Fazem seis meses e a dor permanece, a vontade também. Desisti da terapia, de médicos e remédios para a cabeça. Passei a acreditar um pouco menos em todos e um pouco mais em pessoas que se tornaram importantes na minha vida depois disso.
Ainda é complicado escrever sobre o jeito particular que você vive sua vida, seus medos, angústias, conquistas e amores, às vezes parece não ser tão interessante quanto o mundo à sua volta. É difícil se repetir e sofrer pela mesma coisa tantas vezes, chega a ser um pouco vergonhoso.
De qualquer modo, eu continuo. Isso entrou para os capítulos doloridos e extremos de mim mesma.
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Isso foi escrito uma semana após o ocorrido. Sem edições e muita informação ainda não foi descrita.
Fazem seis meses e a dor permanece, a vontade também. Desisti da terapia, de médicos e remédios para a cabeça. Passei a acreditar um pouco menos em todos e um pouco mais em pessoas que se tornaram importantes na minha vida depois disso.
Ainda é complicado escrever sobre o jeito particular que você vive sua vida, seus medos, angústias, conquistas e amores, às vezes parece não ser tão interessante quanto o mundo à sua volta. É difícil se repetir e sofrer pela mesma coisa tantas vezes, chega a ser um pouco vergonhoso.
De qualquer modo, eu continuo. Isso entrou para os capítulos doloridos e extremos de mim mesma.
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